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Trinta anos é muito tempo, exorbitando o verso eternizado
na canção, pontuado de momentos que a memória não
apaga nunca. Porque sinalizam o essencial da história.
Marcam etapas. Apontam caminhos que vão dar ao futuro.
O que já começou. E o que está para chegar. Que momentos
são esses, acima de todos os outros?
A APECS tem, objetivamente, a vivência de um passado de
três décadas que vale a pena ressaltar, dando o melhor do seu
tempo e dos seus saberes institucionalmente congregados ao
serviço de uma causa e de um contexto que se foi moldando
com o decurso do tempo, dos avanços da ciência e de uma
vontade de nunca parar, de jamais nos conformarmos. E
assim sucedeu, por exemplo, perante a chegada da terapêutica
antirretroviral de alta potência, que introduziu mudanças
significativas no prognóstico, na vida das pessoas, permitindo
salvar muitas, tantas vidas… Outro aspeto muito significativo
foi a possibilidade de alargar o tratamento a toda a gente, num
passo que, embora dado muito recentemente, representa um
ponto de viragem absoluta da pandemia do VIH/SIDA. E nós
acreditamos piamente nisso, numa conquista com ganhos
inquestionáveis, que se repercute na mensagem de que as
pessoas infetadas têm – ou podem ter – uma vida exatamente
igual às outras. Eu diria que são três marcos que acompanham
o nosso percurso, a que humildemente – e sem falsa modéstia
– estamos ligados de corpo e alma, e que é fundamental
assinalar. Desde logo, porque toda esta realidade tem de ser
vista à luz de uma geografia universal, sem fronteiras, nem
barreiras, nem louros localizados ou personalizados. Na parte
que nos cabe, enquanto APECS, sempre demos, sempre
continuaremos a dar o melhor que pudermos – e soubermos
– para cumprir um desígnio que não é exclusivo de ninguém.
Cabe a todos. E a cada um de nós. Associações e sociedades
médicas e científicas, especialistas, políticos, cidadãos
– o mundo inteiro.
Olhando ainda bem para o início, quais foram então os
desafios que estiveram na génese da APECS?
A APECS surgiu, fundamentalmente, como necessidade
de reunir todos os que se ligavam, que eram contactos
permanentes com as pessoas infetadas. O propósito estava na
criação de um núcleo de partilhas de saberes, de conhecimento
e de investigação, de forma a organizar o tratamento
de pessoas infetadas com VIH. Não foi fácil, no início. A
informação existente estava toda muito dispersa pelas diversas
comunidades científicas. E a APECS vem para congregar todas
as especialidades, para um trabalho conjunto, de equipa. São
trinta anos de desenvolvimento de uma associação agregadora
de várias sensibilidades, internistas, infecciologistas,
enfermeiros, farmacêuticos, psicólogos… Todos quantos, de uma
Em trinta anos, destacaria
a chegada da terapêutica
antirretroviral de alta potência,
que introduziu mudanças
significativas no prognóstico,
na vida das pessoas, permitindo
salvar muitas, tantas vidas…
forma ou de outra, se ligavam – e ligam – aos infetados. Todos
trabalhando para este universo e para este fim. Numa lógica
de ir sempre mais além, de nunca desistir de subir ao patamar
mais alto que nos for possível, custe o custar – e às vezes
custa tanto… Mas a vida é assim mesmo. E para isso,
cá estamos.
VIH/SIDA formam sete letras e uma infinidade de vidas
perdidas, muitas outras conquistadas – e, felizmente,
cada vez mais com esperança equiparada à dos indivíduos
não infetados –, mas também investimentos (não apenas
financeiros) em investigação, experiência, acesso partilhado
ao conhecimento. Se assim não fosse, o salto
não teria sido tão impressionante…
Em trinta anos, passámos de uma doença mortal – em que
a nossa luta era salvar as pessoas de infeção em infeção
– para uma doença crónica. Uma doença em que o que nos
preocupa já não é controlar o vírus. Desde logo porque ele
está controlado. Resulta daí que temos, agora, de nos focar
na qualidade de vida das pessoas que seguimos e queremos
continuar a seguir. Há, na realidade, uma mudança de
perspetiva do que é a infeção pelo VIH, entre a infeção mortal
e a doença crónica. E isso, como é óbvio, faz toda a diferença.