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em que se tinha transformado a SIDA.
Basta dizer que a doença se tinha transformado
na primeira causa de morte em
jovens adultos americanos, ultrapassando
os traumatismos, acidentes de viação, etc.
Entretanto, desde 1985 havia o Congresso
Mundial de SIDA, essa extraordinária
reunião que envolvia todas as pessoas interessadas
no tema. O meu primeiro congresso
foi em São Francisco, em 1990.
E que congresso! Não eram só médicos
como estávamos habituados, era mesma
toda a gente, das várias áreas ligadas à
saúde, mas também à sociologia, jornalismo
e tantas outras e, ainda, pasmávamos,
os doentes... Sim, os infetados e, também,
os afetados pelo VIH/SIDA, que não assistiam
passivamente, intervinham, agitavam,
incomodavam o sossego da ciência
e das companhias farmacêuticas, enfim
agarravam com toda a força o seu destino.
E bem que o fizeram!
Nós, médicos portugueses, tornados
amigos, digamos, por esse sair da rotina
e das respetivas circunstâncias, nesses
congressos anuais discutíamos “as coisas”
nacionais relacionadas, questionávamos
a CNLS, às vezes bravamente, e
queríamos, também nós, fazer mais do
que a consulta VIH. Lembro como andávamos
frustrados a assistir à morte dos
nossos doentes, até à bendita terapia
tripla (dois inibidores da transcriptase
reversa mais um inibidor da protéase)
apresentada no congresso de Vancouver
em 1996, autêntico grito de Ipiranga, com
muita raiva, da amargura acumulada.
E assim fomos discutindo o que fazer em
vários encontros até à célebre reunião da
Curia em que constituímos a Associação
Portuguesa para o Estudo Clínico da SIDA
(APECS). Associação dirigida “não apenas
às preocupações de ordem científica e/ou
logística, mas também às de ordem social
que atingiam o doente infetado pelo VIH”.
Curiosamente, por estar de serviço de urgência,
se bem me lembro, não pude estar
presente no notário lisboeta em que formalizamos
a criação da APECS.
Muitas reuniões foram feitas anualmente
desde então e a Associação deixou de
ser um grupo de médicos, alargou para
as pessoas interessadas, e crescemos
em todas as áreas, não apenas a clínica.
Alguém fará o resumo do que tem sido
a atividade da APECS, em conjunto com
os doentes e tantas ONG, com impacte
no SNS e na sociedade civil. Não sei se
conseguirão traduzir o que vivemos, tantas
emoções, o descobrimento de coisas
novas, cada um por si e em conjunto, as
grandes alegrias e as pequenas zangas,
enfim, a construção de um mundo novo!
Há, sem dúvida, uma prática clínica diferente
depois da infeção VIH. E a extraordinária
investigação estimulada por esta
infeção transbordou para imensas outras
áreas da medicina, cito apenas a imunologia
e doenças associadas a um sistema
imune desregulado.
Essencial é manter
o tema VIH “vivo” e
atual na comunidade,
nos mass media,
entre os políticos
e administrações
hospitalares. Porque
não podemos perder
o que se conquistou,
o que os doentes
conquistaram
Sim, ainda não curamos a infeção VIH,
mas conseguimos controlá-la, se o doente
quiser e o médico souber, como deve
saber. Temos armas para isso. Enquanto
esperamos a cura sobra-nos a doença
associada ao VIH, não a da imunodeficiência,
mas a das comorbilidades, muito
devidas à inflamação. Esta é a última
guerra para a vitória final: como controlar
a inflamação, depois de controlada a
infeção? Vão continuar a ser tempos estimulantes
do ponto de vista científico e
clínico. Essencial é manter o tema VIH
“vivo” e atual na comunidade, nos mass
media, entre os políticos e administrações
hospitalares. Porque não podemos perder
o que se conquistou, o que os doentes
conquistaram. Assim, o papel da APECS
continua a ser muito importante!