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AS VACINAS CONTRA O VIH
– NOVAS ESPERANÇAS
As vacinas têm sido um objeto de trabalho
insano desde o início da SIDA. Sucedem
se as tentativas – e desilusões – de
criar inoculação contra o VIH. O facto é
que nunca se chegou a resultados convincentes.
Até agora, a única vacina que
demonstrou alguma eficácia de proteção
– ainda que apenas de 28% aos três anos
– foi a AIDSVAX B/E. A razão está na circunstância
de o VIH ser altamente mutável.
Pela sua capacidade de responder rapidamente
a pressões seletivas impostas
pelo sistema imunológico, a população de
vírus num indivíduo infetado normalmente
evolui para que possa escapar dos dois
braços principais do sistema imunológico
adaptativo; imunidade humoral e celular.
Em segundo lugar, os isolados de VIH
são, eles próprios, muito variáveis. O VIH
pode ser classificado em vários subtipos
com um alto grau de divergência genética.
Portanto, as respostas imunológicas
geradas por qualquer vacina precisam
ser amplas o suficiente para explicar essa
variabilidade. É improvável que qualquer
vacina que não tenha essa amplitude seja
eficaz.
Também os epítopos funcionalmente importantes
da proteína gp120 são mascarados
por glicosilação, trimerização e
alterações conformacionais induzidas por
recetor, tornando difícil o bloqueio com
anticorpos neutralizantes.
A MARÉ PODE ESTAR A MUDAR…
A IAVI (International AIDS Vaccine Initiative)
e a Scripps Research, juntamente
com a Moderna e outros parceiros, estão
prestes a lançar um estudo clínico de
fase I que avaliará a capacidade de duas
vacinas candidatas mRNA de gerar, com
segurança, anticorpos amplamente neutralizantes
em adultos saudáveis. Quem
sabe se estes anticorpos não podem quebrar
o ‘feitiço’ da resistência do VIH às
vacinas?... Mas, como os obter? Durante
quatro décadas, o VIH conseguiu iludir as
tentativas de eliminação por parte do sistema
imunológico. E isso deve-se a vários
fatores, incluindo a capacidade de o vírus
evoluir rapidamente para produzir novas
mutações que o ajudam a evitar anticorpos.
Acresce que o vírus encontrou uma
maneira de camuflar a sua camada externa
– a glicoproteína do envelope do
HIV (ou env do HIV) – com as mesmas
cadeias de açúcar encontradas nas proteínas
humanas, de modo a permanecer
oculto face a ataques.
Há esperança que pode estar iminente
a descoberta de uma ‘chave’ importante
para abrir a porta impenetrável do vírus.
Ou seja, uma maneira de criar um imunogénico
que tanto se parece com a estrutura
env do HIV, quanto pode induzir
células B imaturas específicas a desenvolver
anticorpos neutralizantes antes de
uma pessoa ser exposta.
ELOGIO COM EXCLAMAÇÃO: VIVA!
O desenvolvimento das aplicações do
RNA mensageiro constitui um triunfo da
tenacidade de Katalin Karicó, investigadora
húngara a trabalhar nos EUA, que durante
cerca de 15 anos viu recusada, na
Universidade da Pensilvânia, a sua ideia
de aproveitar o RNA mensageiro como
nova arma da biologia e cuja perseverança
a levou a sair daquele país para conseguir
um sucesso que perspetiva uma
verdadeira revolução na biologia e na
imunologia – não só nas vacinas, como na
terapêutica de neoplasias e em doenças
congénitas. Karicó e Drew Weissman fundaram
uma pequena empresa e, em 2006
e 2013, patentearam a utilização de vários
nucleosídeos modificados para reduzir a
resposta imune antiviral ao mRNA. Convém
assinalar que o RNA mensageiro original
tinha uma vida muito curta, dado ser
destruído pelo sistema imune.
Palmas e aplausos a Karicó e Weissman
pela sua persistência durante muitos
Pode estar iminente
a descoberta de uma
‘chave’ importante
para abrir a porta
impenetrável do vírus.
Uma maneira de criar
um imunogénico
que tanto se parece
com a estrutura
env do HIV, quanto
pode induzir células B
imaturas específicas a
desenvolver anticorpos
neutralizantes antes
de uma pessoa
ser exposta
anos. Duas grandes figuras, que venceram
e obtiveram um modo que certamente
vai revolucionar a terapêutica oncológica,
a criação de novas vacinas e a cirurgia
genética.
Termino este artigo como comecei. Durante
os seus primeiros 30 anos de
atividade, agora assinalados, a APECS
sempre procurou estimular as investigações
sobre a infeção pelo VIH e divulgar
os sucessivos progressos e avanços no
tratamento. Em suma, uma atividade altamente
meritória e que deve continuar
para bem de todos os pacientes em risco,
seropositivos, trabalhadores da saúde e a
nossa sociedade em geral.
Fecho com uma saudação especial – um
Viva! – à persistência de alguém que
venceu, convenceu e abriu caminho ao
progresso das ciências biológicas. Viva
Karicó!