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transversalmente a sociedade no seu todo
e à escala universal, e entre os doentes se
contarem inúmeras figuras relevantes das
artes e da vida pública, tudo isso tem ajudado
– num processo que não deve parar
– a combater a discriminação de muitos
indivíduos com comportamentos considerados
fora do normal. Cabe destacar os
progressos científicos notáveis no campo
da biologia molecular e a descoberta de
novos fármacos e de sofisticados meios
de diagnóstico. Em trinta anos, as inovações
naquela área (biologia celular e molecular)
foram espetaculares.
E os avanços na farmacologia antiviral,
progressivos e fantásticos. Permitiram,
também, o tratamento de outras doenças
como as hepatites B e C, abrindo, além
disso, perspetivas espantosas na microbiologia
e, na prática clínica, caminho a
métodos inovadores que revolucionaram
toda a biologia.
Com os novos fármacos e meios laboratoriais,
o programa da Organização
Mundial da Saúde (OMS) pretendia, até
2020, que: 90% dos pacientes com VIH/
SIDA estivessem diagnosticados; 90%
dos diagnosticados se encontrassem em
tratamento e, destes, que 90% atingissem
uma carga viral indetetável ao ponto de
ser impossível transmitir a infeção.
Em Portugal, foi em 2016 – quando havia já
87% dos doentes diagnosticados –que se
começou a generalizar o uso da terapêutica
antirretrovírica para todos os infetados.
No esquecimento terá ficado a experiência
de muito anos, as diretrizes e o conhecimento
colhidos em outra pandemia terrível,
a sífilis, doença que no seu auge atingiu
cerca de um terço da população de todo o
mundo e que só foi dominada vários séculos
após ter surgido. As medidas mais acertadas
e depois copiadas por muitos países
foram propostas por Thomas Parram.
Registe-se que, em 1935, este médico foi
nomeado Surgeon General pelo Presidente
dos EUA, Franklin Delano Roosevelt.
As medidas, então tomadas, assentavam
em cinco recomendações:
1.ª – Estabelecimento de postos de diagnóstico
para efetuar análises gratuitas e
confidenciais a todos os indivíduos;
2.ª – Tratamento imediato a seguir ao
diagnóstico para evitar mais contágios;
3.ª – Rastreio dos contactos sexuais dos
doentes;
4.ª – Testes de diagnóstico de sífilis obrigatórios
antes do casamento e no início
da gravidez;
5.ª – Campanha de educação pública maciça
para prevenção da infeção, e necessidade
de reconhecimento dos sintomas
e do tratamento precoce.
Todas estas recomendações do passado,
visando a contenção da sífilis, vieram a
ser aplicadas, timidamente e com atraso,
no tratamento da infeção por VIH. Recorde
se que, só em 2005, a infeção pelo
VIH e a SIDA foram consideradas como
doenças de notificação obrigatória em
Portugal.
Preconceitos religiosos e culturais, a par
de fortes grupos de pressão, tiveram de
ser vencidos para aplicar as referidas recomendações,
executar os programas de
informação e educação pública e iniciar
a literacia sobre a doença o mais cedo
possível, ou seja, nas escolas e junto dos
jovens. As recomendações vindas da luta
contra a sífilis são, sublinho, agora reconhecidas
como pilares fundamentais da
luta contra a SIDA. Teríamos poupado
muitas infeções com VIH e mortes se, logo
no princípio da pandemia (hoje, epidemia)
fossem seguidos os ensinamentos.
Deviam ter-se ultrapassado, de início, as
barreiras do estigma, da ignorância e dos
tabus levantados em nome da proteção
da confidencialidade de indivíduos e grupos
que não queriam ser discriminados
pelos seus comportamentos de risco.
PROFILAXIA PRÉ-EXPOSIÇÃO (PrEP)
A profilaxia pré-exposição (PrEP) continua
a ser um assunto candente. Apesar
das controvérsias havidas, constitui uma
verdadeira revolução cujo valor, com regras
estritas e rigorosa seleção de pacientes,
é indiscutível para conter e reduzir
o número de contágios pelo VIH.
As controvérsias são suscitadas por quais
as combinações a escolher; se TDF/FTC;
se TAF/FTC ; se outras; tomar diariamente
ou “on demand”; optar ou não por outras
associações de fármacos ou mesmo
a PrEP de longa duração injetável como o
cabotegravir. Pontos fulcrais, neste contexto,
são o custo dos medicamentos, a
aderência dos participantes, a utilização
de fármacos que perderam as respetivas
patentes e a maior incidência de outras
DST (doenças sexualmente transmissíveis)
que o método não evita. Estas
controvérsias vão durar muito tempo. E
exigem inúmeros ensaios até termos respostas
mais robustas.