
O futuro faz-se
de memória viva
Coube-me a honra de ser eleito
primeiro presidente da APECS,
uma associação de clínicos que
foi criada há 30 anos, precisamente
em novembro de 1991.
Ao percorrer esses passos iniciais, tenho
bem vivo na memória um jantar nos
Estados da América (EUA), onde vários
médicos ali manifestavam a sua preocupação
com a falta de resposta das autoridades
de saúde para o impacto desta
nova doença nos hospitais em que trabalhávamos.
Preocupação acrescida pela hegemonia
dada a profissionais de saúde de reconhecido
mérito, sem dúvida, mas que não
tinham contacto direto com as dificuldades
do tratamento e hospitalização dos
doentes com SIDA. E, ainda, por tudo o
que envolvia a problemática de assegurar
a estas pessoas o mínimo de condições
de apoio psicológico face à tragédia da
sua discriminação pela sociedade, em geral,
e à indiferença das direções dos hospitais
e autoridades de saúde. A título de
curiosidade, o referido jantar teve como
cenário a Baía de São Francisco.
E, mais importante que tudo – incluindo
o deslumbre da paisagem... – gostaria
de destacar a presença da Prof.ª Doutora
Laura Ayres, cuja sensação de revolta
não afinava pelo mesmo diapasão dos
clínicos e era a Presidente da Comissão
Nacional da Luta contra a SIDA que, junto
com ela, integravam a comitiva portuguesa,
nomeadamente o Prof. Doutor Meliço
Silvestre de Coimbra, o Prof. Doutor
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DR. RUI PROENÇA
Presidente da APECS
1992-1994
Mota Miranda, o Prof. Doutor Carlos Vasconcelos
do Porto, o Dr. Lino Rosado de
Lisboa, o malogrado Prof. Doutor José
Luiz Champalimaud, o Prof. Doutor Francisco
Antunes e eu próprio.
Os clínicos presentes dadas as divergências
havidas nesse jantar tomaram a
decisão de se reunir em Portugal para
fundar uma associação. O propósito da
nova entidade era chamar si os problemas
clínicos que então enfrentávamos no
domínio da SIDA e publicitar o drama com
que os doentes e os profissionais de saúde
se debatiam diariamente.
O caso não era para menos. Reinava grande
insatisfação e frustração nos médicos
que exerciam em hospitais centrais e que
eram confrontados com um novo problema
– os doentes com SIDA. A doença tinha
enorme expressão mediática dada a
notoriedade de alguns dos atingidos cujos
comportamentos de risco ignorados escapavam
à perceção do público e ao conhecimento
dos média.
A SIDA tocava em pontos nevrálgicos e
sensíveis como sexo, ética, religião. E em
grupos populacionais com desvios de atitude
pouco aceitáveis à época.
Neste desfiar de memórias centradas no
contexto nacional, quando surgiu a SIDA,
a resposta do Ministério da Saúde foi a
criação – sob a égide da Prof.ª Doutora
Laura Ayres, renomada virologista no
INSA (Instituto Nacional de Saúde Doutor
Ricardo Jorge) – de um grupo de trabalho
que teve um papel da maior importância
no início da luta, em Portugal, contra a